

m vários locais, a motocicleta é o único meio de transporte possível para o poder aquisitivo da população, além de ser o veículo por excelência da juventude que muito antes de sentar no assento de um carro já passa pelo banco de uma moto. Como «Alemão» relatou: «Quando percebi que alguém poderia pagar para eu fazer o que sempre fiz e gostei, que era andar de moto, nem acreditei!» Outros motoboys entrevistados nos falaram do status que a moto dava no bairro em que eles moram e deduzimos também que o ganho diferenciado do motoboy – bem acima da média dos salários dos bairros de classe baixa da cidade – além do imaginário de perigo envolvida na profissão, fornecem uma certa «aura» ao motociclista profissional, aura que os faz conscientes de sua importância no desprezo que demonstram pelo motorista comum, alvo de praticamente todos os motoboys entrevistados quando questionados sobre que a categoria, na visão deles, mais atrapalhava o trânsito. Ou seja: a moto tem, para muitos, um apelo de liberdade, de ousadia e de contestação que muito fala da opção destes indivíduos em relação à profissão. As justificativas mais racionais desdenham os aspectos perigosos da vida sobre uma motocicleta como se aquilo fosse um fato a ser suportado com resignação. Mesmo no aspecto primário do uso de equipamentos de segurança, muitos responderam que o preço elevadíssimo das multas constituiu fator determinante para que tais equipamentos fossem adotados. Mais que racionalismo, portanto, acreditamos que fatores simbólicos e características de uma sociedade de «risco» influem na escolha pela categoria.
m «Risk Society: Towards a New Modernity» Ulrick Beck defende a idéia de que a sociedade moderna tem na tecnologia um fator de risco que as pessoas parecem aceitar. Em uma visão totalizadora, o autor relaciona a produção capitalista com o meio-ambiente e as possíveis conseqüências de uma crescente industrialização que se consolidaria em detrimento da natureza, mas, no caso do específico do trânsito, parece que cada vez mais o risco se faz presente no perigo inerente a um processo de evolução tecnológica que cria carros mais rápidos e eficientes e, por isso mesmo, mais situações potenciais de risco principalmente para os que estão em posição de desvantagem. «A lógica da produção e da distribuição de riscos, hoje, se processa simultaneamente à lógica de distribuição de riqueza»
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s novas tecnologias dissimulam riscos dentro do discurso da segurança. Os carros incorporam diversos avanços tecnológicos que os tornam mais seguros e confortáveis e justamente por isso, mais rápidos e perigosos pois a sensação de segurança traz consigo a falta de cuidado e a ilusão da inviolabilidade. Que os automóveis sejam mais rápidos e seguros que há vinte anos e as motos permaneçam basicamente as mesmas diz muito do disparate existente nas ruas da cidade em relação aos riscos assumidos na sociedade industrial. Sem dúvida, a promessa de ganhos de em média R$ 700,00 mensais compensem o risco envolvido principalmente para pais de família que precisam de complementos extras no final do mês e o caráter de novidade da profissão abre novas perspectivas para milhares de pessoas, mas só isso não explica o fenômeno, principalmente no tocante ao número de mortes e ao tratamento recebido pela profissão.
raticamente todos os motoboys entrevistados sentiam-se injustiçados quanto ao tratamento -para eles preconceituoso- que recebem da população em geral. Queixam-se da polícia que, segundo eles, tem preferência pelo motoboy quando está fazendo uma blitz. Um motoboy entrevistado mencionou o fato de que enquanto era parado por policiais, outros motociclistas não-profissionais passavam incólumes pelo bloqueio. Queixam-se do temor que inspiram ao pararem perto das janelas dos carros, cujos ocupantes tratam de fecha-las rapidamente por medo de um possível assalto. Queixam-se da desconfiança constantemente demonstrada pelos seguranças privados, principalmente dos bancos, local diariamente freqüentado por muitos deles e que pode sinalizar um preconceito da sociedade em relação à parcela da população que atua no setor de serviços básicos e que, por força destes, tem de freqüentar os mesmos locais das outras classes sociais. «Alemão», no entanto, salientou o fato de muitos motoboys serem de classe média, sendo que o preconceito que sofrem não está relacionado portanto à classe social a qual pertencem, mas ao tipo de trabalho que fazem.
o vídeo «Mão Dupla», um programa de entrevistas produzido pela TV Educativa do Rio de Janeiro, o proprietário de uma empresa de motoboys salienta que seus funcionários são instruídos a portarem-se de modo educado e cortês – bem ao gosto das relações de trabalho caracteristicamente subservientes presentes no país – usando terno e gravata, para assim atingirem um grau diferenciado de profissionalismo. Cursos de direção defensiva e de primeiros-socorros ainda estão em estudo, mas os de boas maneiras já são constantemente ministrados.
lessandra Olivato salienta que, dos entrevistados para seu trabalho, os motoboys foram unanimemente execrados por todas as outras categorias, exceto os «perueiros», o que indica uma certa solidariedade de grupos que ainda não estabeleceram um lócus apropriado dentro da sociedade e lutam por firmarem-se.
«Praticamente todas as críticas que se possam fazer a um usuário no trânsito foram feitas aos motoboys pelos entrevistados. Além das já citadas, eles foram considerados folgados, desrespeitosos à sinalização, acham que estão sempre certos, que são donos da rua e devem ter prioridade além de não terem treinamento adequado para dirigir, serem irresponsáveis e ‘tudo louco’. Entrevistados em todas as categorias, exceto taxistas, declararam que eles quebram os retrovisores, estragam o carro e riscam os ônibus, o que, aliás, é admitido naturalmente por alguns dentre eles.»



em dúvida que o projeto era problemático, principalmente se é levado em conta a incongruência de se colocar dezenas de motocicletas sobre uma passarela não projetada nem dimensionada para tanto, numa região de lazer e repleta de pedestres, o que certamente geraria conflitos potencialmente perigosos. No entanto, é importante salientar que ambas as partes mostraram o quanto o problema do espaço do motoboy é assunto polêmico na cidade e só agora começa a ser resolvido, em parte. Do lado dos motociclistas profissionais, fica a sensação que eles demandam tal espaço mesmo que este seja à revelia de partes da cidade ou da população, demonstrando também pouca preocupação com áreas onde sua presença significaria a degradação do ambiente, comportamento, aliás, comum entre os habitantes da cidade em geral. O conceito de cidadania sempre foi problemático no país e nos grandes centros tal fato se agrava e muito.
lguns dos motoboys por nós entrevistados trabalhavam na rua, literalmente. Sentados em bancos na calçada e recebendo chamadas telefônicas no orelhão próximo do «ponto», a «empresa» situava-se em pleno espaço público sem, aparentemente, nenhuma forma de fiscalização. Ali aguardavam a encomenda de um serviço via telefone público para em seguida dirigirem-se ao local que solicitou seus serviços. A ilegalidade em que muitos motoboys vivem é terreno fértil para tal tipo de atitude, que certamente extravasa para seu relacionamento nas ruas e avenidas da cidade, quando «qualquer que for a lei, a gente tem é pressa. Essa é a nossa lei«. O desrespeito ao público e a apropriação dos bens e do espaço públicos em benefício próprio não é exclusividade da categoria, mas nela, graças às suas particularidades, tal fato fica particularmente evidente. No terreno indeterminado entre público e privado, categorias como «casa» e «rua» perdem sentido. O «pedaço» do motoboy é o trânsito; é onde se dá sua vida profissional diária. Muitos podem ter trajetos mais ou menos rotineiros, mas a maioria percorre a cidade indiscriminadamente, surgindo afirmações como «hoje a gente é dono da rua«. Mesmo que circunscritos, na maioria dos casos, ao chamado «centro expandido» da cidade, onde se concentram as maiores empresas e escritórios, os motoboys trabalham nos quatro cantos da metrópole e fazem do anonimato das ruas o seu ambiente. É comum verificar uma espécie de «cumplicidade» entre motoboys parados em pontos ou esperando o semáforo verde, geralmente em cima da faixa de pedestres. Ali é seu pedaço e sua condição profissional lhe dá as credenciais necessárias para o sentimento de pertencimento ao grupo. Mesmo que muitos neguem a existência dos motoboys enquanto categoria, é clara sua identidade mesmo na similaridade de discursos, o que sinaliza fortemente para uma identidade simbólica.
percepção que os atores que participam do trânsito da cidade têm em relação aos motoboys, mostra claramente que além do preconceito existente em relação ao seu trabalho e sua classe de origem, os últimos parecem fazer por merecer tal visão negativa. Alessandra Olivato defende a tese de que o individualismo é a fonte central da visão do trânsito. Ela afirma a dificuldade de se enxergarem as leis como coisa pública e o espaço como bem comum. Ora, o trânsito é uma relação social em que atores interagem em um espaço público e das relações que ali se estabelecem muito pode ser dito sobre a cidade que gera tais possibilidades. Certamente o automóvel, em si, é um fator que contribui muitíssimo para a individualização das percepções do trânsito. Veículo individual por excelência, o carro fornece ao seu possuidor uma carapaça metálica que o protege em suas intenções e na relação com o outro. No entanto, a interação entre diferentes atores pode revelar formas interessantes de posicionamento em relação ao espaço público citadino. Muito se fala sobre a degradação do espaço público nas grandes cidades. Teresa Pires do Rio Caldeira defende a idéia que São Paulo tornou-se uma «cidade de muros»:
«Foi exatamente no momento em que os movimentos sindicais eclodiram na periferia, quando sindicatos paralisavam fábricas e lotavam estádios para suas assembléias, quando pessoas votavam em cargos executivos pela primeira vez em vinte anos, que os residentes da cidade começaram a erguer muros e a se mudar para enclaves fortificados. Quando o sistema político se abriu, as ruas foram fechadas e o medo do crime se tornou a fala da cidade.»
aldeira associa o novo processo de segregação da cidade de São Paulo e sua transformação em uma «cidade de muros», com a explosão de um processo em que a elite se refugia atrás de formas privadas de segurança e de vida, através de condomínios fechados com seguranças particulares, Shopping Centers de uso pouco democrático e o fechamento – e conseqüente privatização – de vias públicas. Com a democratização, ampliaram-se também os acessos das pessoas aos bens de consumo, tornando mais difícil uma clara distinção social e possibilitando uma maior mobilidade dentro do ambiente urbano. Caldeira demonstra como muito da «fala do crime» se impregna desse tipo de insegurança:
«Com menos sinais óbvios de diferenciação à mão e com mais dificuldade de afirmar seus privilégios e códigos de comportamento no espaço público, as classes mais altas se voltam aos sistemas de identificação. Assim, espaços de circulação controlada servem para assegurar que a distância e a separação ainda são possíveis em público. Sinais de distância social são substituídos por muros concretos.»
ogicamente, o local público típico como ruas e praças, parques e bulevares tornam-se lugares de passagem e os «olhos da vizinhança» de que fala Jane Jacobs em «Morte e Vida das Grandes Cidades», como os autênticos fornecedores de segurança e tranqüilidade da comunidade, desaparecem levando como conseqüência necessária o isolamento do local, mais abandono, degradação e finalmente violência, alimentando o círculo de preconceito em relação à quem não pode participar do jogo «espaço público privatizado». A rua deixa então de ser um espaço de sociabilidade e passa a ser uma «área de ninguém» que deve ser evitada. Mais que evitada, a rua é um espaço que leva de um local a outro e tudo o que atrapalha este trajeto é objeto de irritação e agressividade. «Alemão» foi claro ao dizer que encara o trânsito da cidade como um «barril de pólvora«, onde a irritabilidade característica de seus participantes pode ser acionada a qualquer momento e tornar-se imprevisível. Acreditamos portanto que este «barril de pólvora» é motivado em grande parte por uma visão pouco democrática do espaço público que é a rua, e uma percepção distorcida do que sejam direitos do cidadão. Como o caso da passarela exemplifica, a cidade parece existir em detrimento dos interesses individuais ou de categoria. Quando os motoboys são taxados de «folgados», «desrespeitosos», «loucos», «donos da razão» etc. pelos demais atores do trânsito, tal fala sinaliza o fato de que os conflitos existentes na sociedade não são administrados de forma democrática, mas encarados como um problema do «outro», este «outro» sendo uma categoria criada ad hoc para receber imediatamente todo tipo de adjetivos depreciativos, encaixando-os assim em desejos de achar um «bode expiatório» que alivie a sensação de desamparo frente ao imponderável e incontrolável problema de se viver em grandes e superlotadas cidades. Como os famosos «baianos» em São Paulo ou os «paraíbas» no Rio, os causadores das mazelas do mundo acabam sendo as categorias que gostaríamos que fossem responsáveis para podermos racionalizar nossa raiva com a realidade que não sabemos explicar, ou com a democracia que ainda não sabemos lidar.

aracteristicamente, muitos dos motoboys que entrevistamos atribuem sua conduta no trânsito ao «outro» motoboy – aquele que denigre a categoria ao dirigir acima da velocidade, andar na contramão, desrespeitar os sinais de trânsito, chutar espelhos e andar armado – e às condições de trabalho, que os obrigam a correr demais para chegarem a tempo de realizarem o serviço. Interessante, no entanto, foi perceber que na entrevista com os motoboys mais velhos, tanto em idade quanto em profissão, estes foram unânimes quanto à preocupação com a segurança e o fato de que andar um pouco mais devagar e de forma um pouco mais responsável não atrasa ninguém. «Alemão», em particular, foi enfático ao descrever uma situação comum que acontece em firmas de motoboys, quando um indivíduo mais lerdo espera seu lugar na fila para transportar uma encomenda: quando chega sua vez, ele vira alvo de brincadeiras dos colegas que fazem piadas de seu modo de dirigir e do tempo que levará para completar sua tarefa. Isso faz com que este indivíduo corra mais para não ser alvo constante de brincadeiras, o que indica uma hierarquia, um status que se relaciona à habilidade na condução da motocicleta e que, segundo «Alemão», já levou a muitos acidentes. Pela própria característica da brincadeira, os mais jovens são mais propensos a tais atitudes, o que irrita os mais velhos pois estes criticam o fato de que muitas vezes sofrem discriminação e são alvo de agressividade explícita no trânsito por força dos profissionais mais jovens, segundo eles, mais irresponsáveis e propensos a excessos de todo o tipo. Pode-se pensar, aqui, na elaboração de um «código de conduta» que aos poucos toma conta da profissão. O próprio nome «motofrete» sinaliza para uma profissionalização da categoria, fato salientado pelo próprio Sindimoto, cuja existência já demonstra a preocupação de setores da categoria. Os mais jovens, portanto, entrariam na profissão ainda cheios de ilusões e expectativas, muitas associadas ao ganho fácil, mas outras associadas fortemente a valores simbólicos presentes na própria condição profissional do motoboy
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motocicleta em si já carrega um imaginário construído ao longo dos anos de «sloanismo»
da indústria mundial: «O consumidor vive rodeado não apenas por coisas, mas por fantasias.
» Este imaginário pode provocar a atitude inconseqüente do jovem profissional que deseja se arriscar para sentir a emoção de correr entre um corredor de automóveis. Pode explicar também que além da oportunidade de emprego e ganho, o «motofrete» oferece ao jovem uma oportunidade de trabalhar com algo com que ainda se identifica. Na entrevista com «Alemão» este não disfarçou seu prazer ao descrever seu «passeio» pela cidade na hora do rush com uma jornalista na «garupa». Esta lhe deu liberdade para agir como sempre e «Alemão» não deixou por menos: pegando a Avenida 23 de Maio de Rubem Berta paradas, ele «voou» por entre os carros, ziguezagueando, freando e buzinando como se precisasse entregar um documento urgente. Durante nossa entrevista, ele ria ao descrever a cara da repórter quando a viagem acabou, «de pernas bambas e dizendo que éramos loucos, que nunca mais iria falar mal de motoboy«. Pode-se identificar aí o orgulho de pertencer a uma profissão de risco, que necessita de coragem para suportar a adrenalina do dia a dia nos corredores apertados de carros que muitas vezes não os vêm ou não têm a habilidade necessária para lidarem com uma nova situação no trânsito. No final da entrevista ele lamentou que o fruto daquela viagem fora uma reduzida reportagem de revista. Assim resume-se a situação: os profissionais do «motofrete» sabem de sua importância e dos riscos que correm, orgulham-se de sua condição de viris desafiadores da «selva» que é o trânsito em veículos pequenos e desprotegidos, mas sentem-se pouco ou nada reconhecidos. Pelo contrário, são tratados como marginais.
uito interessante também, seguindo a linha de investigação quanto ao imaginário que cerca a motocicleta, foi a entrevista que fizemos com «motogirls». O que ficou patente foi o tratamento nitidamente machista que recebem dos colegas e das pessoas com quem convivem no trabalho. Vistas com desconfiança, uma delas revelou que quando o trabalho era mais complicado chamavam um homem para realizá-lo. Estava além do escopo deste trabalho investigar as relações de gênero presentes entre a categoria, mas tais atitudes indicam a forte presença do ideal de virilidade e masculinidade que acompanha as motocicletas. Não por acaso, a revista da categoria agora estampa modelos em trajes mínimos na capa, coisa não muito diferente das revistas importadas dedicadas aos motociclistas, evidentemente apelativas, estimulando um clichê do gênero quando mulheres são meros acessórios de um «negócio de homem», expressão aliás usada constantemente pelos motoboys quando confrontados com mulheres trabalhando na profissão.
«motofrete» pode muitas vezes ser uma profissão de oportunidade. «Alemão» salientou o fato de que muitos motoboys ganham a motocicleta dos pais, «pra pararem de encher o saco em casa» e então partem para trabalhar em farmácias ou pizzarias do bairro. Logicamente, estes profissionais não têm preocupação nenhuma com segurança ou com os preços que cobram, que podem ser baixos o suficiente para inflacionar todo o mercado. O policial civil L., de 33 anos e 12 de polícia civil, mora no Brooklin, o bairro paulistano com maior índice de seqüestros relâmpagos de São Paulo. Ele relata, em entrevista, que os motoboys, segundo ele, são perigosos na medida em que muitos praticam roubos, furtos, assaltos e seqüestros como forma de complementar seus salários. Quando pegos, muitos mostram carteira profissional assinada e dizem que nada têm a ver com o ocorrido. A motocicleta é o veículo ideal para tal atividade pois permite a fuga imediata em alta velocidade por lugares inacessíveis aos carros de polícia e a grande quantidade de motocicletas na cidade, muitas sem nenhuma identificação, facilita seu sumiço na multidão. Os próprios motoboys temem o que chamam de «carona»: uma motocicleta com dois ocupantes. Esta é a forma clássica de roubo de motos em São Paulo e uma forma comum de roubo de automóveis também, tão comum que motivou o vereador Jooji Hato a formular um projeto de Lei que proibia o «carona» na motocicleta dentro do município de São Paulo, idéia que teve o apoio dos motoboys. Tais atitudes realmente denigrem a imagem do motoqueiro que passa a ser encarado com mais desconfiança ainda.
a verdade, o mercado de motocicletas aumentou vertiginosamente com o advento dos motoboys. Nas proximidades das ruas Aurora e Bento Freitas, no centro da famosa «boca do lixo» e próximo da Rua Barão de Limeira e suas lojas de automóveis usados, há uma grande quantidade de lojas de motopeças.
s peças originais são caras demais para os parcos recursos do motoboy que tem que arcar com a manutenção de seu instrumento de trabalho, que lhe pertence, na esmagadora maioria das vezes. As motos roubadas também acabam nas mãos dos motoboys que pagam pouquíssimo por elas. «Alemão» defende a cobrança do aluguel da moto no preço do frete, coisa que inibiria, segundo ele, esse mercado ilegal.
or conta disso, muitas motos são conservadas sujas e amassadas por seus proprietários. Mesmo as motos novas são «decoradas» para que pareçam velhas, cheias de adesivos por todos os lados – adesivos de rádios em sua maioria, pois estas fazem constantes promoções de discos e ingressos de shows, com vans personalizadas paradas em ruas ou avenidas aguardando alguém que mostre o adesivo em seu carro ou moto para só assim ganhar o prêmio – e propositadamente amassadas. Paradoxalmente, o pessoal do sindicato vive às turras com as montadoras, em especial Honda e Yamaha. As montadoras, segundo alguns motoboys, poderiam estar por trás de novas normas que regulamentam a profissão ao exigir que as motocicletas sejam vistoriadas periodicamente, em proporção direta de sua idade útil. Isso motivaria a venda de peças sobressalentes na medida em que as motos só passariam pela vistoria se estivessem com todos os itens em perfeita ordem.
aura de criminalidade que envolve a categoria é veementemente rejeitada pela imensa maioria dos entrevistados. Para eles, quem anda armado é «bandido» e não profissional. O medo do assalto é patente entre os motoboys, mas perde para o medo generalizado que todos manifestaram na entrevista em relação ao trânsito. Tal atitude motivou a lendária solidariedade da categoria, que em caso de acidente se junta em torno do acidentado prestando-lhe solidariedade. Na verdade, as entrevistas revelaram uma outra face do problema. Muitos motoboys alegaram que tal solidariedade não mais existe como antes: «é cobra comendo cobra» como disse um dos entrevistados. Eles alegam que muitas vezes não param mais para prestar auxílio, pois colegas já foram assaltados desse modo. É um golpe comum simular acidente para roubar os motociclistas que eventualmente parem para prestar auxílio. Outros motociclistas mais velhos e experientes, como «Alemão» , alegam que o que existe é corporativismo e não solidariedade; esta última seria a experiência de um verdadeiro auxílio ao motoboy acidentado, a espera pelo resgate, um telefonema para os familiares etc. O que ele alega que realmente acontece é uma união para ver o ocorrido e auxiliar o motoboy a bater em quem provocou o acidente. Isso sinaliza uma auto-imagem da categoria como um grupo injustiçado e pronto a tomar satisfações contra seus opressores, no caso o motorista de automóvel comum.
omo ocorre do motorista em geral agrupar os motoboys em uma categoria única perdendo de vista suas particularidades e os dois grupos distintos que fazem parte de sua realidade diária – os mais experientes e o «bad boys» mais novos e arrojados – os motociclistas profissionais encaram o «outro» motorista, em «todas» as categorias – ou seja, um grupo indistinto – como o grande responsável pelo perigo por que passam todos os dias. O problema de percepção característico que cada categoria apresenta ao encarar a realidade como uma função de si mesmo, pode gerar conflitos potencialmente violentos na medida em que cada ator se arvora conhecedor e portador da verdade única amparada na Lei, o que no Brasil é especialmente problemático dado o fato que para os exames de habilitação pouca exigência é feita no tocante ao conhecimento destas mesmas leis. O adjetivo «dono da verdade» é então usado por todos para descreverem seus «inimigos» potenciais e assim as tensões se intensificam. Além da falta de habilidade em usar o espelho retrovisor para verem a motocicleta e assim permitirem sua passagem, os motoboys acusam os motoristas de abusarem da troca de faixas, cruzando o corredor que eles encaram como sendo de seu direito, como na frase do entrevistado que diz «o espaço da faixa é nosso, não interessa a lei«. Na verdade, a convivência dos motoboys com os automóveis é marcada ao longo de anos e de centenas de acidentes fatais. O espaço entre as faixas sempre foi um território entre os carros e nada além disso. Sua ocupação por parte das motos limitou o espaço de manobra dos carros no trânsito cada vez mais caótico da cidade, sendo natural então a recusa de certos motoristas de aceitarem o fato. «Alemão» salientou que a forma dos espelhos retrovisores atuais colabora também para acidentes. A maioria deles é convexa, o que aumenta a área de visualização mas altera a distância do veículo na imagem, fazendo parecer que este se encontra mais longe do que realmente está. Isso prejudica a capacidade de