No entanto, seria equivocado supor que os tortuosos trajetos percorridos pelos consumidores em busca de seus direitos sejam orientados exclusivamente pelos dispositivos legais e pelas normas das instituições. A explicação permaneceria insuficiente se negligenciasse as próprias razões que dão origem às disputas. Sob esse aspecto, cabe notar que o defeito num produto, ou até mesmo o atraso na entrega de um bem ou serviço, não conduzem imediatamente à animosidade. Os consumidores tendem a considerá-los como contratempos mais ou menos rotineiros, embora sempre desagradáveis. O que desencadeia o conflito – e faz com que ele se traduza no vocabulário formal dos direitos – não é o dano sofrido, mas a recusa do fornecedor em reconhecê-lo e repará-lo, isto é, o rompimento dos compromissos implícitos de respeito e boa-fé que haviam possibilitado a efetivação do negócio.
Desse modo, ao invés de comandar a forma e o conteúdo das disputas, os dispositivos legais e as normas das instituições é que são englobados por princípios mais gerais, que estão na base das relações entre consumidores e fornecedores41. O interesse econômico não é capaz de explicar, por exemplo, os inúmeros casos em que o consumidor se dispõe a enfrentar um longo processo burocrático ou presta queixa numa delegacia apenas para obter um pedido formal de desculpas. A lógica impessoal e pragmática do mercado capitalista, porém, não é capaz de subsumir o princípio muito mais geral da reciprocidade (Mauss, 1988)42.
E assim como entre consumidor e fornecedor há algo mais que simples prestações econômicas, também a relação entre o consumidor e o órgão estatal transcende o formalismo jurídico. Se considerássemos apenas o índice de sucesso de seus procedimentos, a expressiva credibilidade de que desfrutam as instituições estatais de defesa do consumidor permaneceria um resíduo inexplicado e contraditório43. Mesmo em casos não resolvidos, porém, não é raro ver o consumidor agradecer, com sincera veemência, o empenho demonstrado pelos funcionários na tentativa de resolver o problema apresentado. O que essas manifestações parecem indicar é que, apesar da ineficácia de suas providências, a instituição se mostrou capaz de oferecer exatamente aquilo que havia faltado na relação com o fornecedor, desencadeando o conflito: o reconhecimento do consumidor como um parceiro legítimo, digno de respeito e atenção.
Em relação às reflexões mais gerais deste artigo, é possível desenvolver a partir daí duas ordens de considerações. Em primeiro lugar, torna-se necessário relativizar algumas interpretações correntes, em especial a “impessoalidade” e a “fugacidade” das relações no mercado de consumo contemporâneo. Da mesma forma, torna-se possível ampliar o escopo das análises desenvolvidas por outras disciplinas, que tendem a ver na questão dos direitos do consumidor apenas a redução do cidadão às injunções do mercado, com a concomitante redução dos direitos políticos da esfera pública a direitos econômicos, de ordem privada. A abordagem etnográfica indica, ao contrário, que o interesse “econômico” jamais se reduz ao material e ao individual, e que a oposição público/privado pode ser englobada num sistema mais amplo de relações de troca.
A segunda ordem de considerações diz respeito a reflexões clássicas no próprio campo da antropologia. A coexistência, na vida contemporânea, de duas modalidades de troca – a lógica do dom e a lógica do mercado – já foi observada por diversos autores: além de Mauss (1988) e Lévi-Strauss (1982), é possível lembrar, por exemplo, a importante contribuição de Polanyi (1980). A etnografia das disputas relativas a direitos do consumidor sugere, porém, que em certos contextos essas lógicas aparentemente distintas podem ser indissociáveis, e que é exatamente isto o que ocorre num território de algum modo totalmente alheio aos princípios da troca maussiana: a reivindicação formal dos direitos do consumidor.

Análise antropológica de setores do Estado: algumas sugestões
Não é nosso propósito, neste artigo, chegar a qualquer conclusão definitiva sobre as instituições que estamos estudando. Ao contrário, a intenção é esboçar uma perspectiva de análise de setores do Estado que, fundada numa tradição teórica construída a partir de outros contextos de pesquisa, venha a contribuir para engrossar o coro dos que defendem a dissolução dos “divisores” tão prejudiciais a nossa disciplina. Entretanto, alguns apontamentos podem ser realizados a partir de uma comparação preliminar das duas vertentes da organização estatal abordadas acima.
Evidentemente, de um ponto de vista sociológico, tanto o exército quanto as instituições de defesa do consumidor compartilham um mesmo fundo sócio-histórico, apresentam traços comuns que remetem às especificidades da formação de nosso Estado ou, ainda, estão amparados por um mesmo ethos social que recobre a vida “brasileira”. No entanto, que indícios teríamos ao compará-los sob a perspectiva de um olhar mais distanciado, isto é, para além de suas formas institucionais e de suas funções no aparelho estatal?
Nos dois casos, vimos que as maneiras pelas quais estas instituições operam extrapolam o arcabouço legal/formal: os órgãos de defesa do consumidor não se limitam a regular as relações de mercado e a promover o consenso individual, mas atuam também na construção de pessoas morais, operando portanto na lógica da troca-dom; o exército, da mesma forma, não é tão-somente uma instituição pública voltada para a defesa, mas uma corporação cuja dinâmica impõe fronteiras simbólicas em relação à sociedade e institui uma hierarquia em relação a ela.
Desse modo, é possível identificar nas duas vertentes da organização estatal analisadas operações que envolvem categorias mais gerais e mais abstratas que aquelas que se ancoram no devir histórico: se, no que diz respeito aos órgãos de defesa do consumidor, partimos de uma assimetria dada na esfera privada para chegar a uma simetria a partir da intervenção hierarquizada do público, no que se refere ao exército, partimos de uma simetria dada pela constituição de um órgão público para chegar a uma assimetria em relação à sociedade, dada pela constituição de uma esfera privada (ou “privatizada”) a partir da hierarquia.
Este duplo movimento poderia ser explicado por uma série de razões. Neste contexto, gostaríamos apenas de enfatizar uma, que nos parece a mais importante, e que está na base de qualquer arranjo institucional: a
constituição dos mecanismos de troca, seja ela entre indivíduos cuja transação inicial foi mal-sucedida (e, assim, passam a estar ligados pelos vínculos da “guerra”), seja ela entre indivíduos que só trocam entre si por se encontrarem em permanente estado de guerra. As experiências sociais que estão na base dessas instituições remetem, assim, ao plano mais amplo da constituição de “pessoas morais” no interior da nossa sociedade. Por isso, seja no plano da “guerra”, seja no plano da “troca” (que, como ensina Lévi-Strauss, podem ser concebidas como a atualização de um mesmo princípio geral), lidamos com experiências “totais” que só fazem sentido no plano da construção da pessoa, englobando o formalismo jurídico-legal que remete ao estreito plano das funções institucionais destes setores do Estado.
Desse modo – e, aqui, o intuito é salientar o que há de promissor no estudo do Estado a partir de uma perspectiva antropológica – , os cálculos de engenharia institucional freqüentemente realizados para entender a relação Estado-sociedade (que sempre aparece mediada pela categoria “indivíduo”) não se mostram suficientes para entender a dinâmica estrutural que está por trás do sentido que as pessoas dão às suas instituições.
Claro que este artigo também não resolve o problema. É interessante, contudo, observar que pesquisas etnográficas recentes têm revelado como nossas instituições “hierarquizam”, “individualizam” ou pessoalizam” relações que, formalmente (ou ao menos em princípio), “deveriam” ocorrer de outra forma. Assim, a lógica do mercado é tão insuficiente para se entender as estratégias dos consumidores quanto o é a lógica institucional para se entender o exército. Cabe ressaltar, finalmente, que o olhar antropológico tem muito ainda a oferecer à análise de nossas instituições centrais. Não basta vê-las sob o ângulo das agências que reprimem nossos “objetos tradicionais”: mesmo este ângulo, acreditamos, está englobado por categorias mais profundas de sua constituição.

Publicado originalmente na REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 2000, V. 43 nº 2.
Notas
1 Uma primeira versão deste artigo foi lida e comentada por Edilene Coffaci de Lima e José Guilherme C. Magnani, a quem gostaríamos de expressar nossos agradecimentos. Agradecemos também aos pareceristas anônimos da Revista de Antropologia, por seus comentários e sugestões.
2 De certa maneira, é possível considerar os estudos de processos eleitorais como o marco inicial dessa tendência, com trabalhos como os de Sá (1974) e Caldeira (1980). Já nos anos 80, ainda que de maneira mais sistemática somente nos anos 90, os antropólogos começam a explorar etnograficamente o Estado, através de temas – para citar alguns – como congresso nacional ou congressistas (Costa, 1981; Teixeira, 1999; Abreu, 2000; Kuschnir, 1998), exército (Castro, 1990; Leirner, 1997) e imposto de renda (Bevilaqua, 1995). Isto, sem considerar uma linha já mais tradicional de pesquisa sobre as agências de contato e gerenciamento estatal das populações indígenas (Lima, 1995).
3 Pensamos em autores que, sob inspiração de Mauss e Lévi-Strauss (ainda que abrindo uma perspectiva diversa), procuraram pensar o “político” em relação às modalidades de troca e reciprocidade. Além de Clastres e sua conhecida fórmula de “sociedade contra o Estado”, incluem-se nesse grupo M. Gauchet (1977) e A. Adler (1977), que talvez sejam, inclusive, dois dos melhores comentadores de Clastres. Não nos referimos, portanto, a autores franceses de inspiração mais próxima ao marxismo, como Godelier ou mesmo Balandier.
4 No Brasil, as primeiras reflexões sobre o “familiar” e o “distante” na investigação antropológica aparecem no conhecido debate entre DaMatta (1974) e Velho (1978). Mais recentemente, os problemas e perspectivas da antropologia das chamadas “sociedades complexas”, em relação à tradição disciplinar de investigação em sociedades de pequena escala, são discutidos, por exemplo, por Montero (1991), Magnani (1996), Goldman (1995) e Goldman & Lima (1999).
5 Utilizamos aqui a expressão de J. Goody, no sentido que lhe dão Goldman & Lima (1999) ao se manifestarem contra a existência de “dois tipos de Antropologia”, como decorrência de “dois tipos de objeto”.
6 Empregamos a expressão “setores do Estado” para enfatizar que o Estado não é uma instituição monolítica. Ao contrário, comporta diferentes dimensões e agências que não são homogêneas e, muitas vezes, chegam a constituir grupos com contornos bastante particulares. Os exemplos etnográficos apresentados mais adiante deverão contribuir para esclarecer melhor esta noção.
7 Como é sabido, existe no Brasil uma longa tradição de estudos da sociedade nacional, inclusive em contextos urbanos, que remonta ao início do período republicano. Referimo-nos aqui mais especificamente às contribuições das últimas três décadas, quando a antropologia adquire maior visibilidade e reconhecimento no país, por conta da conjugação de fatores políticos, acadêmicos e institucionais (cf. Durham, 1988; Magnani, 1996).
8 Não é nossa intenção neste texto fazer um balanço destas contribuições. Cabe lembrar, porém, que uma das primeiras versões desse debate se desenvolveu em torno dos conceitos de “cultura” e “ideologia” (Durham, 1982; Velho & Viveiros de Castro, 1975). Neste caso, fica claro que o entorno da discussão é uma sociologia de inspiração marxista, que apontava insuficiências de conceitos como o de “cultura”, particularmente o que era visto como sua tendência a ocultar as contradições mais fundamentais de nossa sociedade. Para uma versão contemporânea dessa reflexão, ver Goldman & Lima (1999). Para um balanço das contribuições desenvolvidas em outras tradições da disciplina sobre a antropologia das “sociedades complexas”, ver Goldman (1995).
9 Entre outros trabalhos, cabe mencionar as teses de Montes (1983) e Magnani (1984), que identificam nas práticas de lazer e na religiosidade popular a construção de discursos e formas de sociabilidade não contempladas pela conjugação sociológica clássica “Estado – Classes Sociais – Trabalho”. Nessas análises, o conceito de ideologia ganha uma nova dimensão. Também é interessante se pensar em teses como a de Duarte (1983), mostrando a construção de uma concepção popular de doença que passa longe da medicina oficial. Aqui, a idéia dumontiana de valor e classificação se sobrepõe à concepção marxista de ideologia.
10 Como observou Durham: “A antropologia sempre demonstrou especial interesse pelas minorias despossuídas e dominadas de todos os tipos (índios, negros, camponeses, favelados, desviantes e ‘pobres’ em geral) atuantes. Quanto aos temas, sempre revelou uma afinidade particular por aqueles que eram claramente periféricos à grande arena das lutas políticas: dedicou-se muito mais ao estudo da família, da religião, do folclore, da medicina popular, das festas do que à análise do Estado, dos partidos políticos, dos movimentos sindicais, das relações de classe, do desenvolvimento econômico” (1988: 18). Desse modo corre-se o risco de admitir, por contraste, que os antropólogos, enquanto os outros desses outros, seriam os agentes das elites, do Estado, das burocracias etc., uma proposição que nos parece inaceitável.
11 Esta declaração, feita pelo cientista político Fábio Wanderley Reis durante uma reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, faz parte de um longo debate narrado e analisado por Mariza Peirano (1996).
12 A expressão é empregada por Magnani (1996).
13 Como observou recentemente Manuela Carneiro da Cunha, “um grande equívoco é só estudar grupos minoritários. Em todas as teses sobre partidos políticos na USP, 90% são sobre o PT e ninguém estuda o PFL, que é interessantíssimo e importantíssimo de ser estudado. Estudar o PFL não quer dizer estar dissociado de uma agenda política” (1998: 86).
14 Além da vigorosa linhagem de africanistas que inaugura esse campo de estudos, cabe mencionar as críticas que, na década de 1960, levaram à valorização não mais das instituições, mas do processo político enquanto tal e/ou dos valores e representações. Perspectivas mais recentes contribuem para a relativização da própria concepção universalizante do poder. Para um balanço crítico dessa trajetória, ver Palmeira & Goldman (1996: 1-12).
15 Uma importante exceção é o Núcleo de Antropologia da Política (Nuap), de onde têm se originado algumas das mais importantes contribuições recentes. O Nuap reúne investigadores de diferentes instituições, que desenvolvem pesquisas etnográficas sobre a esfera da política. 
16 Nesse sentido, vale lembrar uma entrevista recente com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Boa parte do que se fez em antropologia das sociedades complexas limitava-se a projetar para o contexto urbano os conceitos e o tipo de objeto característico da antropologia clássica. Isso não foi muito longe, pois para fazer uma verdadeira projeção, teria que ser uma projeção no sentido geométrico da palavra: o que se deve preservar são as relações, não os termos” (1999: 126).
17 Esta formulação é do antropólogo Marcos Lanna, em comunicação pessoal. Com ele também compartilhamos algumas das idéias que acabamos de expor, em especial a importância de se desenvolver uma antropologia “do centro” – isto é, do Estado – nas sociedades de tradição ocidental.
18 Nesse ponto, a organização burocrática vem a reboque de processos sociais mais amplos, como a constituição de uma elite dirigente, como mostram, por exemplo, análises que partem de conceitos como patrimonialismo e patriarcalismo (Faoro, 1989; Schwartzman, 1982).
19 Um balanço desses estudos está em Guimarães (1999: 17-20).
20 Marcel Mauss já apontava nessa direção, no Ensaio sobre a Dádiva (1988). A legitimidade dessa abordagem também não deixou de ser reconhecida por expoentes da vertente britânica da disciplina. Meyer Fortes, por exemplo, observa: “Pode haver um paralelo estrutural mais estreito entre o sistema de sindicatos de um país europeu e o sistema de linhagens de um estadoafricano como o Ashanti, que entre este último e as assim chamadas ‘redes de parentesco’, tão valorizadas em alguns textos recentes” (apud Eisenstadt, 1961: 212; tradução livre).
21 Há um projeto do exército, que vem sendo desenvolvido desde 1995, para se chegar ao ano 2000 com um índice de 80% de militares de carreira.
22 O corpo de reserva é formado por [a] “militares da reserva remunerada”, ou seja, militares de carreira aposentados, e [b] os “demais cidadãos em condições de convocação ou de mobilização para a ativa” (Estatuto dos Militares, Art. 4°, § 1°). Note-se que os chamados conscritos, recrutas do serviço obrigatório, quando passam para a reserva não entram para a categoria da reserva remunerada, sendo colocados na condição de [b]: “demais cidadãos…”.
23 Vale ressaltar que este direito é dado somente aos que estão nesta carreira, não incluindo, portanto, os soldados recrutados anualmente pelo serviço militar obrigatório.
24 Resumindo, a dificuldade consistiu em liberar acesso à pesquisa num pelotão de fronteira na área do Projeto Calha Norte. No entanto, tinha acesso “liberado” a locais como a Escola de Comando e Estado-Maior do exército ou o Quartel General em Brasília.
25 Pessoas que estavam ligadas a estes locais referidos acima: quase uma absoluta totalidade de coronéis e generais se “encarregavam” do contato com o pesquisador e a instituição a que ele pertence, o que era feito, obviamente, à maneira militar.
26 “Melhor situado” não representa necessariamente estar acima na cadeia de comando, mas sim estar com uma possibilidade estrutural de em algum momento se situar no topo dela, enquanto “pior situado” representa estar numa posição em que provavelmente o indivíduo não chegará ao topo da cadeia de comando (especificamente ao generalato), ainda que ele possa se situar, num dado momento, “acima” do primeiro. Os detalhes deste arranjo estão descritos em Leirner (1997).
27 “Uma característica de qualquer grupo político é, conseqüentemente, sua invariável tendência para divisões e oposição de seus segmentos, e outra característica é a sua tendência para a fusão com outros grupos de sua própria ordem em oposição a segmentos políticos maiores do que o próprio grupo. Os valores políticos, portanto, estão sempre em conflito, falando-se em termos de estrutura. Um valor vincula uma pessoa a seu grupo e um outro a um segmento do grupo em oposição a outros segmentos do mesmo, e o valor que controla suas ações é uma função da situação social em que a pessoa se encontra. Pois uma pessoa vê a si mesma como membro de um grupo apenas em oposição a outros grupos, e vê um membro de outro grupo como membro de uma unidade social, por mais que esta esteja fragmentada em segmentos opostos” (Evans-Pritchard, 1978: 149).
28 Dentre as características mais importantes do tipo burocrático, Weber (1966:20-21) destaca a hierarquia de cargos, esferas de competência diferenciadas, qualificação em bases técnicas e sujeição à disciplina.
29 A cada ano, as pessoas saem classificadas numa lista que abrange todos os membros que pertencem à carreira, de cabos a generais.
30 Talvez a imagem da “fila indiana” seja mais clara para exemplificá-la.
31 Lei nº 8.078, de 11/09/90. O Código entrou em vigor em março de 1991.
32 Pacientes em consultórios e hospitais, estudantes, leitores, usuários de serviços públicos, torcedores de times de futebol e até fiéis de igrejas são hoje considerados “consumidores”.
33 A pesquisa, ainda em andamento, está sendo realizada em Curitiba-PR. A capital paranaense esteve presente nos primeiros passos do debate sobre os direitos do consumidor no Brasil. Foi sede, por exemplo, do 1º Congresso Nacional de Defesa do Consumidor, em 1976. No mesmo ano, surgiu na cidade uma das primeiras entidades civis de defesa do consumidor do país, a Associação de Defesa e Orientação do Cidadão (Adoc). Por outro lado, cabe mencionar que Curitiba foi e continua sendo “mercado-teste” de diversos produtos, uma escolha certamente motivada pelo perfil demográfico e sócioeconômico da cidade. Entretanto, ao longo do tempo, disseminou-se a opinião – compartilhada e reivindicada pelos moradores – de que os curitibanos seriam “mais exigentes” no que diz respeito à qualidade dos produtos e aos seus direitos de consumidores.
34 Embora não esteja voltado especificamente a casos dessa natureza, o Juizado Especial Cível, ao qual competem as ações consideradas de menor complexidade e que envolvam até quarenta salários mínimos, é a instância do Poder Judiciário para a qual converge a maior parte dos litígios envolvendo direitos do consumidor.
35 Durante a pesquisa, foi possível constatar com certa freqüência casos em que o consumidor acabou perdendo o emprego por ser obrigado a faltar constantemente para acompanhar a tramitação de sua queixa nas instituições de defesa do consumidor.
36 As condições de atendimento variam, evidentemente, conforme a instituição, assim como as exigências para o registro dos casos e o tempo de tramitação dos processos.
37 Esta característica diz respeito à sede da Delcon onde se concentraram as observações, no primeiro semestre de 1999. Algum tempo depois, a delegacia passou a ocupar novo endereço – a quarta mudança em menos de cinco anos.
38 Durante a pesquisa de campo, foi possível reencontrar seguidamente na Delcon, por exemplo, casos que haviam sido observados inicialmente no Procon. Da mesma forma, é possível acompanhar no Juizado Especial o desdobramento de conflitos que haviam sido levados inicialmente tanto ao Procon quanto à Delcon.
39 Em certo período, o Procon suspendeu a realização de cálculos de juros de financiamentos. Em pouco tempo, foi necessário voltar atrás, tamanha era a demanda encaminhada pelos demais órgãos, que não oferecem esse serviço. Da mesma forma, a grande maioria das queixas apresentadas à Delcon – onde as exigências para o registro de ocorrências são menores – não diz respeito a crimes. Por esse motivo, a delegacia se viu obrigada a realizar audiências de conciliação, que não fazem parte de suas atribuições mais fundamentais.
40 Embora as preferências dos consumidores orientem a oferta de bens e serviços, cada um deles, individualmente, está desprovido de meios para avaliar as condições de qualidade e segurança dos produtos que adquire, ou para alterar os termos da imensa maioria dos contratos. Como observa a jurista Claudia Lima Marques, “as relações contratuais se despersonalizaram, aparecendo os métodos de contratação estandardizados, como os contratos de adesão e as condições gerais dos contratos. Hoje estes métodos predominam em quase todas as relações entre empresas e consumidores, deixando claro o desnível entre os contratantes – um, autor efetivo das cláusulas, e outro, simples aderente” (1998: 33).
41 Não se quer afirmar, com isso, que os conflitos envolvendo direitos do consumidor tenham somente um conteúdo “moral”, mas que esta é uma dimensão constitutiva deles. A indissociabilidade moral/legal em casos dessa natureza, aliás, foi também observada em disputas em tribunais de pequenas causas nos Estados Unidos (Cardoso de Oliveira, 1996 e 1996a), indicando se tratar de um fenômeno muito mais geral, ainda que possa assumir características particulares em diferentes contextos.
42 Adotando uma perspectiva bastante próxima da de Mauss, o historiador Fernand Braudel argumenta que o capitalismo não reunifica toda a economia sob um único código (1987). Na antropologia contemporânea, são bem conhecidas as reflexões de Sahlins (1979) sobre os fundamentos simbólicos da organização da economia capitalista.
43 De um total de 2.260 audiências realizadas pelo Procon-PR em 1998, por exemplo, apenas 500 reclamações foram resolvidas. Dentre as demais, 18 foram consideradas improcedentes, 742 foram encerradas por outras razões e 1.000 não foram resolvidas.

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